MINI-CURRÍCULO
Prof. Eugenio Mussak é educador há mais de 40 anos, escritor e fundador da SapiensSapiens.
Formado originalmente em Medicina, resolveu dedicar-se ao ensino e atualmente é professor da FIA-USP e da Fundação Dom Cabral, nas áreas de Liderança e Gestão de Pessoas. Foi considerado pelas revistas Veja e Exame, como um dos palestrantes mais requisitados do país.
É o diretor científico da Associação Brasileira de Recursos Humanos e integrante do comitê de criação do CONARH – Congresso Brasileiro de Recursos Humanos.
Autor de centenas de artigos e de vários livros, entre os quais Metacompetência, Gestão Humanista de Pessoas, Liderança em Foco, Motivação: do querer ao fazer, Caminhos da Mudança e Pensamento Estratégico para Lideres de Hoje e Amanhã.
Escreve mensalmente para revista a Você S.A. sobre liderança e para a Revista Vida Simples sobre comportamento. Além disso, tem um programa de entrevistas na Rádio Estadão/ESPN, chamado “Papo de Líder”.
Para acessar artigos e o que saiu na imprensa sobre o profissional, acesse: www.eugeniomussak.com.br
Questão de Coaching: Nós sabemos que você é médico, aliás, você fez alguma especialização?
Eugenio Mussak: Em primeiro lugar é controverso [risos]. Não posso dizer que sou médico, apenas me formei em medicina, é diferente de ser médico. Eu me formei e fiz especialização em Fisiologia, o que muito me ajuda porque tive que estudar muita neurofisiologia, entender o funcionamento do cérebro, a neuropsicologia, e a partir disso entender o comportamento humano. Então é uma área que tive oportunidade de estudar, minha formação me ajuda muito porque em última análise eu lido com pessoas. Atuei por pouco tempo em consultório porque minha grande vocação era a educação, eu já era professor durante a faculdade, continuei professor, fui diretor de escola, criei uma escola. Toda minha trajetória está ligada à educação, e não à medicina.
QC: Mas poderíamos fazer uma relação entre o diagnóstico e os líderes de hoje?
EM: Claro! Eu faço isso com frequência porque as empresas são entendidas como organismos vivos, e não mais como máquinas, porque tem células que são as pessoas, tem tecidos que são os núcleos de trabalho, tem órgãos que são os departamentos, têm sistemas, e tudo isso tem que estar à disposição da organização para manter a evolução e a sobrevivência da mesma. Além disso, como ser vivo, a empresa está inserida em um ecossistema, que nós chamamos de mercado. Quando falamos da teoria Darwiniana, lembramos que Darwin nos explicou que as espécies que sobreviveram foram as que evoluíram, e evoluir significa manter uma boa relação com o meio ambiente/ecossistema. Como o ecossistema muda, não é toda espécie que sobrevive a essa mudança, o mesmo se aplica as organizações e até de forma mais aguda. Na espécie humana as adaptações às mudanças dependem da percepção, e nem sempre encontramos líderes perceptivos e atentos às mudanças, não só as que estão acontecendo, mas também as que imaginamos que irão acontecer. Isso é o que está “pegando” nas empresas hoje: como manter-se adaptado ao habitat?
QC: Você pontuou a percepção e tudo mais, mas extrapolando um pouquinho, qual o seu diagnóstico?
EM: É que na verdade não consigo ver a empresa sem ver os seus líderes, as suas pessoas. A empresa é uma abstração, um conjunto de pessoas que tem objetivos em comum, que possuem competências complementares e que produzem em sintonia e harmonia, de preferência. Eu não consigo separar empresas de pessoas, para mim empresas são pessoas. Tudo isso que eu falo da importância de estar atento para o que está acontecendo no ambiente, estar aprendendo permanentemente, tudo isso vale para empresa e para os seus líderes. Hoje você ouve falar de uma empresa que há cinco anos ia muito bem e obrigado, e de repente você ouve falar que ela fechou. E aí você pensa, mas como assim? Estava há cinco anos muito bem. Por isso mesmo, há cinco anos o mundo era outro. Ela não evoluiu porque não se adaptou, e não se adaptou porque não percebeu as mudanças. Então a percepção é fundamental. Hoje estudamos a inteligência humana e o próprio conceito de inteligência muda, e um dos conceitos é o que relaciona percepção, compreensão, aprendizado e adaptação. Para ser inteligente hoje, é necessário ter esses quatro componentes nessa ordem. Você precisa estar conectado, ligado às coisas para poder entender/compreender, e então você aprende um novo jeito de ser ou viver e se adapta. Aí você sobrevive porque evolui, isso é interessante na teoria Darwiniana, a sobrevivência depende da evolução. Se você não evoluir você não vai sobreviver, e isso vale para nós. Darwin pegou os pássaros de uma ilha e os levou para outra ilha. Eles morreram. Daí levou para uma outra ilha e depois de algum tempo, eles começaram a comer. Eles se adaptaram à nova realidade e só sobreviveram porque se adaptaram. Se considerarmos o fator espécie e tempo, você não vai precisar mudar o passarinho de ilha, porque a ilha vai mudar. O evolucionismo da biologia depende essencialmente da oportunidade de estar num ambiente propício, no qual ele consiga usar a sua qualidade genética e também depende do acaso genético. Na natureza tudo é acaso e acaso é necessidade. Se você tem o gene favorável, você vai sobreviver. A espécie humana, não pode depender do acaso genético, tem que depender da inteligência.
QC: Você falou da sua experiência numa escola de samba do Rio de Janeiro e que conversou com um carnavalesco ao final do evento do CONARH. Como foi isso?
EM: Na verdade, ele falou como consegue colocar 4000 pessoas, dar ordem a partir do caos e fazer acontecer. É inacreditável como as coisas acontecem. Você encontra a sua “ilha”. Só que a sua “ilha está num arquipélago”. E aí você começa a se aglutinar até que tenha uma massa crítica da sua ala e então chega o organizador para por tudo em ordem. No ano passado nós levamos a Vai-Vai para Paris porque tinha uma empresa na França que queria saber como funcionava o Brasil e principalmente abordar o comprometimento. Eu tenho uma teoria do comprometimento que acho bem interessante. Na realidade, é uma alegoria do casamento. Como se constrói um casamento perfeito? Esse modelo é válido porque são os grandes componentes para qualquer tipo de relação, seja com amigo, colega ou chefe na empresa. A base de tudo é a Admiração. É preciso admirar uma pessoa. A primeira admiração costuma ser a admiração física. Somente isso não basta, mas se você admira o caráter o humor, aí você cria uma coisa chamada admiração. Depois disso, surge um outro sentimento que é o Respeito. Você só respeita quem você admira. O respeito não é um sentimento que possa ser solicitado e muito menos imposto. Quem precisa exigir respeito, é porque já o perdeu. Uma vez admirando e respeitando a pessoa, surge outro sentimento, que também não pode ser solicitado, que é a Confiança. Você confia em quem você respeita. A partir disso, criamos um segundo conjunto de aspectos que são sustentados pelos anteriores. Se você admira, respeita e confia uma pessoa, existe uma grande chance de surgir um sentimento chamado Paixão. Diante disso, você quer ficar mais próximo da pessoa e então surge outro sentimento que eu chamo de Intimidade, misturar a sua vida com outra pessoa, trocar sonhos, futuro, enfim, compartilhar para haver Comprometimento. Veja o quadro abaixo:
A consequência de tudo isso vai ser o que chamamos de comprometimento, que é hoje muito solicitado nas organizações. A base deste triângulo está para cima, ou seja, ele não está sustentando nada, ele está sendo sustentado. Se formos verificar no Dicionário Aurélio, a definição da palavra ficar, significa permanecer onde está. Hoje sabemos que ficar tem outro significado e essa nova definição também é um dos verbetes – trocar carinhos sem compromisso de namoro – passa direto de uma admiração física para a intimidade. Pula todo o resto, não vai construir comprometimento, aliás, nem é essa a intenção. A empresa que quer funcionários engajados, comprometidos tem que fazer com que o funcionário desenvolva admiração. – admirar porque é uma empresa que tem valor, é vencedora, tem representatividade na sociedade. Dá para perceber isso em pessoas que trabalham em empresas reconhecidamente admiráveis, como a Natura, Embraer, Petrobras, empresas que são admiradas pela sociedade. Só se você admira, respeita e confia é que vai conseguir criar um vinculo forte com a empresa e o faz querer ficar. Ter intimidade é querer ficar – o sentimento de não querer sair e fazer carreira, construir vinculo sustentável. O Bradesco tem muito isso, pessoas que começam na Fundação Bradesco e fazem sua carreira no Banco.
QC: Como fica o desafio de construir esse comprometimento com a Geração Y?
EM: Se o jovem não estabelecer isso muito rápido eles só “ficam”. Eu sou de uma geração pós-guerra – Baby Boomers – não fomos criados para ser felizes, tínhamos que trabalhar. Meu pai nunca falou para mim que eu tinha que ser feliz, tinha que trabalhar, produzir o sustento, viemos para arrumar o mundo que foi destruído pela guerra. Já os nossos filhos, nós queremos que eles sejam felizes e fazemos tudo para isso. Fomos sacrificados, pois fazemos tudo pelos nossos filhos e ganhamos pouco dos nossos pais. A Geração X tem uma busca pela felicidade, mas coloca a felicidade como um objetivo a ser alcançado por meio do seu trabalho. A Geração Y quer ser feliz durante o processo, ou seja, agora. Tenho um amigo que fez uma pesquisa em um baile do Rio de Janeiro – em que existe aquela ideia de beijar muito – Quantos você beijou essa noite? Ele entrevistou uma moça que tinha beijado 10 e ele perguntou quando é que ela mudava de um para o outro? E tinha outra moça que só tinha beijado 2 e o segundo que ela beijou estava bom. Então uma vez que estava bom e prazeroso, ela ficou. Já a que beijou 10 foi mudando na expectativa de encontrar algo que a fizesse ficar. Isso é a Geração Y, só fica enquanto estiver bom. Não adianta essa conversa de está duro aqui, mas no futuro vêm as recompensas…
QC: Como o líder deve trabalhar para dar propósito e significado ao trabalho de cada um de seus liderados?
EM: Como venho da área de educação, usamos o principio do significado. Tem um educador Americano chamado Bob Gowin que tem uma frase que eu considero lapidada: “Educação é um fenômeno social em que alguém chamado Professor compartilha significados com alguém chamado aluno.” – Ele não disse que o Professor compartilha saberes, conhecimentos, ele compartilha significados. Isso hoje faz muito sentido, porque em uma aula, não levar conhecimento e sim significado, ajuda o aluno a obter o conhecimento. A informação está disponível, o aluno vai à busca do conhecimento se o Professor conseguir despertar o interesse e isso se faz por meio do significado. Quando eu era Professor de Biologia em Cursinho, estava dando uma aula sobre peixes, mostrando a diferença entre os ósseos e os cartilaginosos e existem vários diferenças, não é apenas o esqueleto – tipo de escama, tipo de boca e nadadeiras – e no final da aula eu disse: “Tem uma coisa muito importante que vocês não podem deixar de saber é que os peixes ósseos excretam ureia, já os cartilaginosos excretam amônia. Pois é, os alunos ficaram me olhando com cara de interrogação e um aluno levantou a mão para perguntar, mas disse que não era uma pergunta e sim uma declaração: “Isso que o senhor acabou de falar mudou a minha vida, nunca mais serei o mesmo!” Aí naquele momento eu percebi que para aquele aluno aquela informação, naquele momento, não tinha significado. Ele não aprendeu, em função de não visualizar o para que serve. O único significado que tinha é que iria cair no Vestibular.
O mundo do trabalho deve importar esse conceito da educação, os funcionários precisam de significado, porque tudo o que fazemos tem duas grandes motivações: a necessidade – ligada ao instinto de evitar o sofrimento e o desejo que está ligado ao instinto de obter prazer. Qual é necessidade que está por trás do trabalho? Tem algumas coisas básicas como:
Então a empresa atende as suas necessidades dessas formas: lhe dá salário, lhe proporciona pertencimento e lhe dá dignidade. Tudo isso está no capitulo das necessidades e o capítulo dos desejos, do prazer de estar aqui nesta empresa. Aí temos várias origens desse prazer: o primeiro talvez seja exatamente o orgulho de pertencer à organização, mas antigamente as pessoas tinham mais orgulho da história do que atualmente; outro ponto é o clima, se é legal, alegre, sério, se há espaço para uma risada, se é bom estar naquele ambiente e a Google é um exemplo de clima; depois vem a sensação de você se sentir importante e a Apple passa a sensação para seus jovens talentos que eles estão mudando o mundo; o outro é a percepção de futuro, pois na empresa eu estou ajudando a construir o futuro dessa organização, da sociedade; outro aspecto extremamente importante, se não o mais, é a possibilidade de aprender, que é uma necessidade, mas também é um prazer, você precisa aprender porque senão você está fora e é gostoso aprender. É o papel da organização ter essa cultura e papel do líder também.
QC: Como você vê esse cenário com a pressão por resultados?
EM: Esse é o grande dilema existencial. Temos que entregar resultado que está ligado ao curto prazo e temos que garantir a sustentabilidade da empresa, que é o longo prazo. E só vou ter sustentabilidade quando houver pessoas que ficam, que estão habituadas a trabalharem juntas, que estão aprendendo e evoluindo, temos que jogar com isso. Eu considero o coaching uma ferramenta sensacional de gestão de pessoas, igual ao feedback: existe o feedback estruturado e o feedback do dia a dia, que o líder chama o funcionário para conversar, para corrigir, para validar, para estimular, para que ele faça o melhor. Isso aumenta a autoconfiança e a autoestima, que são fundamentais, são qualidades psicológicas que nós precisamos. Sem confiança o sujeito nem se mete a fazer alguma tarefa e eu preciso de autoestima para ser feliz. Só que essas duas qualidades você não consegue desenvolver sozinho, você precisa do feedback do outro, o mundo precisa lhe sinalizar se você está indo bem ou se você é legal para que você possa se corrigir. Então eu preciso do feedback de quem está à minha volta.
QC: Então voltamos ao que você disse no começo sobre a percepção. Precisamos perceber para dar esse feedback para o funcionário…
EM: Claro! Acho que a percepção e a intenção também, porque tem gente que percebe, mas deixa para lá. Tem que ter intenção, e aí entra o coaching! Como disse do feedback, existe o estruturado e o do dia a dia. O coaching é a mesma coisa. Posso estar inscrito no programa de coaching que a empresa me possibilita, mas todo líder tem que ser um pouquinho coach, chamar para conversar.
QC: Qual a mensagem que você gostaria de deixar para nossos leitores?
EM: Olha, tem tanta coisa [risos]. Mas lembrando de Aristóteles, de uma carta que ele escreveu para seu filho, depois de ser aluno de Platão, ser professor de Alexandre Magno, de fundar o Liceu, um resumo de sua obra, eis o que ele disse ao filho:
“Você é um ser vivo, um humano, e como tal você pode escolher que tipo de ser vivo ou que tipo de vida você quer ter: você pode viver simplesmente, ou você pode viver plenamente. Escolha.”
Viver simplesmente é viver um dia após o outro, “deixa a vida me levar”. Viver plenamente significa você usufruir mais daquilo que a vida lhe oferece, mas também chegar ao final da sua jornada com a consciência que você vai entregar um mundo melhor do que você recebeu, o mundo melhorou porque você existiu. E aí você tem que fazer a si mesmo três perguntas:
1- Quem sou eu na visão mais abrangente?
2- Quem eu quero ser?
3- O que eu tenho que fazer para conseguir ser quem eu quero ser?
Isso e coaching!
Primeiro – estado atual: quem sou eu, quais são meus valores, meus desejos, minhas fraquezas, minhas fortalezas, qual meu papel aqui?
Segundo – estado desejado: que pessoa eu quero ser? Pode ser que você descubra que a pessoa que você quer ser, é exatamente, a pessoa que você já é. E ok, talvez isso já seja felicidade.
Terceiro – plano de ação: o que eu tenho que fazer para conseguir o que quero?
Então Aristóteles foi o primeiro coach!! [risos]
Excelente entrevista.
Mussak sempre nos ensinando algo profundo sobre Liderança e vida.
Olá Carlos,
Realmente nosso entrevistado tem muito a dizer! Que bom que você gostou. Continue conosco!
Abrs,