Mario Sergio Cortella*
Na vida, nós devemos ter raízes, e não âncoras. Raiz alimenta, âncora imobiliza. Quem tem âncoras vive apenas a nostalgia e não a saudade. Nostalgia é uma lembrança que dói, saudade é uma lembrança que alegra. Uma pessoa tem saudade quando tem raízes, pois o passado a alimenta (mais de 40 anos atrás, eu saí de Londrina, minha cidade natal, mas minha saudosa Londrina não saiu de mim).
Pessoas que têm nostalgia estão quase sempre às voltas com um processo de lamentação.
Como curiosidade, lembro que a palavra nostalgia foi criada por um médico alemão no século 19. Naquela época, quem tinha um ferimento feio tinha de amputar o membro ferido. E então, como hoje, muita gente que perdeu uma parte do corpo relata continuar sentindo desconforto, coceira ou dor no membro que não existe mais. E então o médico alemão pegou duas palavras gregas antigas e as uniu: nostos, que significa volta, e algo, que quer dizer dor. Assim, nostalgia ficou sendo a dor da volta, a dor daquilo que já se foi e continua doendo.
Todos nós temos raízes e também âncoras. O problema é quando as âncoras superam as raízes. O nostálgico amarga e sofre, o saudoso se alegra, pois ele deixa fruir aquilo que viveu. O nostálgico se aproxima daquilo que os antigos chamavam de melancolia e que hoje é chamado de depressão, esse perigo.
Vez ou outra é preciso fazer um “balanço” de mim mesmo, de modo a ver se estou sendo puxado para a as raízes ou para as âncoras, para a saudade ou a nostalgia, para a alegria ou para a depressão.
Em qualquer ano que uma pessoa tenha atravessado, é impossível viver sem cicatrizes. Por isso, uma das coisas que mais me chateia é quando encontro alguém depois de um ano e essa pessoa me diz: “Cortella, você não mudou nada!”. Como não mudei?! Só o fato de eu ter partilhado, compartilhado, vivenciado, convivido com pessoas, experimentado coisas, tudo isso faz com que eu mude.
Muitas coisas que eu pensava no começo do ano não penso mais e vice-versa, pois sou capaz de mudanças, graças aos céus.
* Filósofo e escritor, este é um trecho do livro CORTELLA, M. S. O Que a Vida Me Ensinou: Viver em Paz, Para Morrer em Paz! São Paulo: Saraiva, 2010.
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Olá Vania, acredito que para viver sem ancoras, o primeiro passo seria identificar nossas ancoras e em que situações elas se fazem presentes. Após essa identificação podemos começar a experimentar pequenos passos em direção ao que desejamos alcançar e ir avançando e celebrando os progressos. Essa é uma resposta simples, mas dependendo da dificuldade em avançar, buscar apoio de um processo de coaching ou terapia, dependendo do caso, pode ser uma boa estratégia! Obrigada por compartilhar sua dúvida.
Muito obrigada Yara Leal