Mini Currículo:
Cristian Parada, 54 anos, tem mais de vinte de experiência em Recursos Humanos, tendo passado pelas empresas AGIP (Grupo ENI), Interchange (Grupo Citi), Compaq, Bearingpoint (ex-KPMG Consulting) e British Telecom. Atualmente ocupa a posição de Vice-Presidente de RH para América Latina na Xerox Services. Ele tem formação acadêmica na área de tecnologia, onde iniciou sua vida profissional (ninguém é perfeito) e MBA em Gestão de RH pela USP (para dar suporte à radical mudança de rumo). As constantes visitas a trabalho a diversos países da região tem lhe dado uma visão clara de nossos problemas comuns, das nossas necessidades e principalmente de nossas limitações técnicas e culturais, não podendo evitar a sensação de que nossa região está ficando para atrás em relação ao resto do mundo. Cristian, filho de um Engenheiro e de uma professora de história que aos 12 anos lhe ensinava sobre as encíclicas papais (assunto básico que um menino desse idade tem obrigação de saber), é um leitor compulsivo. Dizem que ele já foi surpreendido lendo, na falta de outra opção, bula de remédio, mas ele jura que já está curado, pois a Internet facilitou as coisas. Além de sua compulsão por livros, ele coleciona CDs (todos originais) e LPs (não há como falsificar). Se quiser conversar com ele, vá até a Praça Benedito Calixto os sábados de manhã. Você o encontrará no corredor dos discos de vinil. Mas, cuidado, não se aproxime se ele estiver profundamente concentrado estudando a capa dupla de um disco do Terço, banda do final dos anos 70, em perfeito estado. Pode ser perigoso. Cristian é casado com Marina Beltrami e juntos desenvolvem um trabalho voluntário e gratuito de apoio a profissionais em transição de carreira. Eles acreditam que ótimos profissionais acabam perdendo boas oportunidades de trabalho apenas por falta de orientação. Na visão deles, o país é carente de bons profissionais e que é um dever (e um prazer) contribuir para evitar o desperdício de talentos.
Observação do entrevistado: “Gostaria de esclarecer que as opiniões e comentários representam minha visão pessoal e não necessariamente a visão da empresa onde trabalho.”
Questão de Coaching: Qual o impacto da Economia Digital no dia-a-dia das pessoas e empresas hoje?
Cristian Parada: Quando o retorno financeiro gerado pela criação de novas tecnologia superou aquele obtido com a fabricação de produtos, foi decretada a agonia da Economia Industrial e o nascimento da economia Digital. Neste ambiente as grandes empresas redefiniram suas estratégias de negócios ou mudaram radicalmente seus core business. O desenvolvimento e a venda de novas tecnologias foi mantido nos países desenvolvidos. Por outro lado, a manufatura vem sendo transferida para países em desenvolvimento, onde a mão de obra teria um custo mais “competitivo”. Esta situação alterou globalmente as necessidades de mão de obra e os perfis profissionais contratados. Ao mesmo tempo, a Internet chegou para eliminar barreiras físicas e levar a comunicação a novos e impensáveis patamares. Equipes de trabalho virtuais, amigos virtuais e comunidades virtuais passaram a fazer parte do dia-a-dia das pessoas, mudando as formas de trabalho e de relacionamento.
QC: Para o senhor qual o significado da palavra inovação?
CP: Inovação representa a criação de algo novo, que contraria paradigmas e desafia as regras estabelecidas. Mas cuidado, não devemos confundir conceitos. Há uma tendência de alinhar “melhoria” com “inovação”, o que não é correto. A “melhoria” nos leva a fazer algo de uma forma mais produtiva, mais eficiente ou mesmo mais prazerosa, mas isto não representa, necessariamente, uma quebra de paradigma ou o questionamento profundo da situação atual.
QC: Quais os princípios da inovação?
CP: Não existe inovação em ambientes rígidos e intolerantes à experimentação. Um amigo, empresário muito bem sucedido, comentou que durante muitos anos trabalhou em uma empresa como Diretor de Tecnologia. Durante esse período ele teve apoio financeiro e liberdade para testar e desenvolver nova tecnologias que colocaram os serviços oferecidos aos clientes em um novo patamar de excelência. Como consequência, a empresa na qual ele trabalhava, de capital nacional, tornou-se líder desse mercado específico. Tempos depois, ele foi convidado para trabalhar em uma empresa estrangeira que desejava entrar no mesmo mercado e já conhecia sua fama. Para sua decepção, a nova empresa tinha um ambiente bastante rígido e hermético. O resultado: 3 anos de grandes frustrações e uma demissão feliz. Hoje ele tem um negócio próprio onde continua inovando, pois tem revolucionado as práticas de gerenciamento de pessoas e do negócio num segmento de mercado conhecido pelo seu conservadorismo e inflexibilidade.
Não existe inovação em ambientes onde as decisões são centralizadas, ou seja, onde não existe delegação de responsabilidade e de autoridade. A regra incansavelmente repetida, mas nunca escrita, de uma grande e antiga empresa nacional de tecnologia era “erre dentro da regra, mas nunca acerte fora dela”. É interessante notar que essa empresa era conhecida pela excelência dos profissionais que contratava e pela mediocridade de seus produtos. Será que aquela maravilhosa regra explica o motivo da sua falência, mesmo tendo um mercado cativo à sua disposição? Acho que sim!
Não existe inovação onde não há visão de longo prazo, nem predisposição para novas ideias. No final dos anos 1980, trabalhava como Coordenador de Projetos em uma empresa de desenvolvimento de software e visitei uma feira de tecnologia, onde encontrei um antigo colega de faculdade. Ele me mostrou um produto novo, chamado “Computador Pessoal”. Seu problema: eles eram fabricantes de hardware e tinham vendido 400 equipamentos para um Banco, mas não tinham quem desenvolvesse aplicativos. Eles ofereciam treinamento no sistema operacional e na interface amigável chamada, curiosamente, de “janelas”. Além disso, era claro que o cliente estava ávido por iniciar o projeto. Levei essa fantástica oportunidade de negócios para nosso Diretor Comercial, uma pessoa, na minha visão, muito inteligente e tecnologicamente” antenada”. Até hoje me arrepio quando lembro da sua resposta: “Cristian, entenda uma coisa, nosso foco está nos equipamentos de grande porte, os Mainframes. Os PCs não passam de brinquedos e logo vão desaparecer”. O que desapareceu foi nossa empresa, um ano depois, por falta de clientes.
Não existe inovação em ambientes impermeáveis à diversidade. Temos a tendência natural de contratar pessoas parecidas a nós mesmos. Sendo assim, não é estranho que a cultura das organizações, depois de um tempo, reforce uma determinada tendência de visão, comportamento e, principalmente, de ações e reações. Péssimo negócio! Se por um lado ambientes como esse fazem com que nos sentimos mais confortáveis para sermos como somos e agirmos como agimos, esses ambientes propiciam a multiplicação exponencial de nossos defeitos. Trabalhei em uma empresa onde a cultura dominante era a de fazer reuniões intermináveis, pois existia uma disputa velada para mostrar quem era o mais inteligente, criativo e articulado. Essas intensas discussões, que consumiam longas horas de trabalho, normalmente geravam boas ideias que nunca eram implementadas. Mesmo assim, os presentes as adoravam. Outra caraterística marcante era a que os funcionários dessa empresa adoravam festas e comemorações: dia da mães, dia dos pais, festa junina, eventos esportivos e, claro, final de ano, nunca passavam desapercebidos. Ocorre que os novos empregados que não se encaixavam nesse perfil eram isolados e, posteriormente, descartados. Principalmente aqueles que questionavam as longas reuniões, a falta de foco e a falta de compromisso com resultados palpáveis. Em poucos anos a empresa teve que reduzir dramaticamente seu quadro de empregados, pois não foi capaz de criar novas e reais oportunidades de negócios. Uma pena, pois as festas eram realmente boas!
Não existe inovação sem proximidade com seu cliente. Se você não entende seu cliente, suas necessidades e, principalmente, suas expectativas, por melhor que seja sua nova ideia, fatalmente, ficará falando sozinho.
Não existe inovação em ambientes sem colaboração e reconhecimento. Apenas nos filmes a inovação é fruto do esforço individual. Como já comentei, a verdadeira inovação desafia paradigmas e é muito difícil para o individuo desafiar seus próprios paradigmas sem algum estímulo externo. A banda mais inovadora de últimos tempos (opinião de fã), Os Beatles, foi um bom exemplo disso. Nessa banda existia uma intensa colaboração entre Lennon e McCartney e isso era resultado de uma admiração mutua (nunca claramente reconhecida ou declarada) e os permanentes desafios, que um lançava sobre o outro para superar a qualidade e criatividade da composição anterior. Dizem que sem Lennon, McCartney, que esta bilionário e tem uma sólida carreira solo, nunca chegou perto da genialidade e a inovação demonstradas na época dos Beatles. Por outro lado, na mesma banda, existia outro integrante brilhante, visto por eles como o melhor músico: George Harrison. A lenda diz que era ele que transformava em algo sólido e acabado as ideais musicais de Lennon e McCartney. Muito bem, ocorre que ele nunca foi reconhecido por isso e, inclusive, suas próprias composições eram menosprezadas. Ao contrário da crença popular dizem que a separação da banda não ocorreu por causa das brigas entre Lennon e McCartney, mas devido à falta de reconhecimento da grande contribuição de George. Como para deixar claro esse ponto, logo depois de separação, McCartney entrou em profunda depressão e mergulhou no álcool e nas drogas. Na mesma época, George Harrison lançou um disco triplo, recheado com músicas antológicas de sua autoria.
QC: Como instalar uma cultura de inovação dentro da organização?
CP: Com base no conceito da Vantagem Competitiva de Potter, eu diria que o primeiro passo seria entender se a empresa deseja mesmo e tem vocação para optar pela inovação como sua estratégia competitiva. É bom lembrar que essa não é a única alternativa. As empresas podem sentir-se mais confortáveis escolhendo por objetivo a “Excelência Operacional”, onde o foco passa ser a melhoria continua dos seus processos, passando a fazer mais e melhor com menos. Outra opção seria a das empresas optarem pela “Intimidade com o cliente”, ou seja, passariam a investir em uma relação tão próxima com seus clientes que chegariam a antecipar as necessidades, limitações e expectativas. Dessa forma, poderiam oferecer um serviço altamente customizado. Se a empresa optou pelo caminho da inovação, seguir os princípios listados na pergunta anterior seria um bom início. Porém, o problema é que, apesar de não admitir isto publicamente, as empresas não estão necessariamente preparadas ou abertas a isso. Para exemplificar, cito o caso recente de uma conhecida empresa do setor de alimentos que lançou um produto realmente inovador que, dizem, salvou suas finanças. Segundo a lenda, a alta direção da empresa, com uma louvável dose de autocrítica, concluiu que se o novo produto fosse deixado nas mãos da atual direção, ele seria um fracasso. Portanto, criou uma nova empresa só para cuidar dele. Gente nova, novos paradigmas, novas ideias e novas soluções. Resultado? Sucesso além do esperado!
QC: Quais são as principais competências dos profissionais “inovadores”?
CP: Sei que os filmes normalmente apresentam situações distorcidas, exageradas ou idealizadas mas, às vezes eles são boas alternativas para ilustrar uma ideia. Por uma coincidência dois filmes que, na minha opinião, mostram bons exemplos de inovação foram estrelados pelo mesmo ator, Robin Williams. São eles “Good Morning Vietnam” e “Sociedade dos Poetas Mortos”. Em ambos vemos o personagem principal desafiando paradigmas e inovando. No primeiro, impondo um novo padrão de programação musical, totalmente desalinhada com a tradição e com as expectativas de seus chefes, mas que teve grande aceitação junto aos seus “clientes”, os ouvintes! No segundo, vemos um professor desafiando a regras da escola, mudando a forma de lecionar e, ao mesmo tempo, estimulando seus alunos a pensar diferente. Se analisamos as caraterísticas dos dois personagens, facilmente identificaremos: determinação, automotivação, resistência às criticas, honestidade e uma grande paixão pelo que faziam. Como complemento, acrescentaria uma boa base teórica, o que permitia que eles se sentissem confortáveis com o desafio.
QC: Quais são os principais desafios para atrair profissionais com esse perfil no mercado?
CP: Mostrar que a inovação não é apenas um desejo ou um lindo pôster na parede.
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