Querido leitor, hoje tenho o prazer de compartilhar com você uma análise muito interessante e completa sobre a área de Recursos Humanos. Um olhar pelo tempo e uma provocação a nós, que buscamos transformação e melhorias sempre por onde andamos.
Convido você a investir um certo tempo e viajar com o autor pelos caminhos e possibilidades em nossa área. Uma inspiração!
O autor é um profissional experiente ( carreira de 37 anos em RH, 32 dos quais em cargos de liderança), que tive o privilégio de trabalhar em sua equipe. Ao final do artigo, você saberá quem é. Venha comigo nesta jornada que valerá a pena.
Boa leitura, ótima semana e estamos aqui (eu e o autor) curiosos e na expectativa para receber seu comentário e saber sobre sua experiência.
Um abraço,
Ticiana Tucci
I – Introdução
Esta proposta de um novo papel para RH resulta de minha experiência profissional de 40 anos na área, complementada por estudos a que me dediquei antes e depois de encerrada minha vida corporativa.
Meu objetivo é desafiar e inspirar os profissionais da área a:
II – A evolução histórica de RH
Os conceitos sobre o papel de RH na organização têm evoluído ao longo do tempo, em função das mudanças que ocorrem no contexto da gestão empresarial. Por exemplo, nas expectativas do trabalhador em relação à empresa e no grau de ativismo dos acionistas e investidores.
De uma maneira geral, a literatura identifica estas 3 fases distintas, com seus períodos aproximados de vigência:
Fase 1 – Expertise administrativa – 1960 / 1980
Fase 2 – Expertise funcional – 1980 / 1995
Fase 3 – RH estratégico – 1995 / 2010
Todas essas fases são importantes e não se excluem, se acumulam. Por exemplo, a exigência de qualidade na execução de atividades administrativas da Fase 1 continua atual. É imperdoável negligenciá-la por ser menos glamorosa quando comparada a outras áreas mais valorizadas hoje.
Dave Ulrich e seus parceiros na Universidade de Michigan e no RBL Institute, admiráveis estudiosos da área, propõem a existência de uma Fase 4, RH de fora para dentro (após 2010), na qual RH deve incluir as aspirações de stakeholders externos (principalmente acionistas e clientes) na construção e execução da sua estratégia.
III – Crônicas do passado e do presente – Estados Unidos
Em qualquer reflexão importante sobre RH, é essencial se referir à experiência dos Estados Unidos, país que mais desenvolveu a literatura sobre gestão e que é a principal fonte de inspiração para a gestão de RH no mundo ocidental.
Talvez você já tenha lido ou ouvido, em algum lugar, esta avaliação sobre RH:
Não é uma avaliação sobre RH no Brasil, nem é recente. Na realidade, é o retrato da Administração de Pessoal nos Estados Unidos, conforme descrita por Peter Drucker no livro “A prática da administração”, de 1954.
Você poderá dizer ou pensar que isso é coisa do passado, que RH é diferente nos Estados Unidos de hoje.
Não, não é bem assim, desafortunadamente.
Na edição de julho/agosto 2015, a revista “Harvard Business Review”, a mais prestigiada do mundo em assuntos de gestão, trouxe, com destaque na capa, a seguinte matéria:
“É hora de explodir o RH…e construir algo novo…saiba como”
Três artigos ilustraram a matéria, de autores conhecidos e reconhecidos. Com todo respeito, penso que os profissionais modernos de RH que os leram não incorporaram, em sua atuação, as propostas feitas, por serem limitadas ou sem originalidade.
É desolador constatar que, passado tanto tempo, RH nos Estados Unidos ainda continue lutando para obter, como função organizacional, o reconhecimento e o aplauso da crítica (acadêmicos, executivos, consultores) e do público (os próprios trabalhadores). Exceções existem, sem dúvida. Nos últimos anos, têm havido avanços indiscutíveis na gestão organizacional como, por exemplo, nas questões de inclusão e diversidade, na gestão da cultura e na avaliação do desempenho. Entretanto, o quadro geral parece ter limitações que acabam por afetar negativamente a imagem da área.
IV – No Brasil, há quem pense em um novo RH
Olhando para nossa realidade, eu destacaria os seguintes pontos:
Em síntese, se pensamos na metáfora clássica dos pedreiros, podemos dizer que a visão corrente de RH está em assentar tijolos e até construir paredes mas, certamente, não se inspira na construção de catedrais.
Não estamos na vanguarda, não criamos nossa agenda, tudo isso me parece ser verdadeiro. Entretanto, creio que já construímos uma história profissional que nos credencia a jornadas mais ambiciosas que elevem, dramaticamente, o impacto positivo de RH na organização.
Nesse sentido, depoimentos recentes na mídia especializada são animadores pois trazem visões sobre RH que vão além da vinculação à estratégia de negócios. Fundamental para a reflexão sobre o assunto é a mensagem de Elaine Saad, Presidente da ABRH Brasil, na edição de abril 2016 da revista “Melhor”, escrita sob o impacto das manifestações políticas de março 2016, e da qual destaco estes pontos:
V – RH e a função social da empresa
Ainda que a Fase 4 proposta por Ulrich e seu grupo seja recente, a velocidade atual das mudanças que ocorrem globalmente nos força a uma reflexão sobre o impacto dessas mudanças nas empresas e, por consequência, na atuação de RH. Além do mais, lembremo-nos de que as fases na evolução de RH se acumulam, não se excluem.
Neste contexto, deve ser destacado o crescente movimento por um novo capitalismo, presente nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. Distanciando-se da visão de Milton Friedman, prêmio Nobel de Economia, para quem “a responsabilidade social da empresa é aumentar seus lucros” (artigo publicado em 1970) e do princípio materialista da “maximização do valor para o acionista”, mantra do ambiente financeiro-empresarial da década de 1980 nos Estados Unidos, esse movimento busca inspirar as empresas a se guiar por um propósito superior, integrando as necessidades da sociedade nas suas estratégias empresariais e valorizando a busca do bem comum em lugar da ênfase no resultado financeiro.
Aplaudo o movimento e me permito vincular essa questão à discussão sobre a função social da empresa, sobre os impactos que a empresa tem na sociedade, que são inúmeros e muito relevantes. Não se trata de debater “responsabilidade social corporativa” ou “filantropia”, ações nobres mas muito aquém do conceito de impacto social.
Numa primeira análise, é óbvio se referir a impostos e empregos como os principais impactos da empresa na sociedade mas creio que podemos produzir lista mais ampla, como, por exemplo, a que se segue:
Embora possa ser instintiva a clássica e cínica atitude do esperar para ver e aderir se inevitável, entendo que a pergunta correta a ser feita neste contexto é outra: esse movimento de evolução do capitalismo é o caminho que RH deve seguir ou não?
Estou convictamente entre os que respondem sim a essa questão e penso que as circunstâncias atuais apresentam oportunidade ímpar para RH assumir protagonismo histórico, conduzindo a empresa para e nesta jornada, não esperando que o chamado venha do CEO, ou do Conselho de Administração, ou de outras fontes internas ou externas, como tem acontecido ao longo da história. Uma oportunidade de ouro para que RH seja farol, não mais caudatário, a oportunidade de ouro para atuar no sentido de transformar, para melhor, a sociedade e, por extensão, o país em que vivemos.
VI – Missão de RH – A proposta
Partindo das premissas abaixo:
Proponho que a missão de RH, num sentido amplo, seja esta:
Esta seria a catedral de RH, cujas paredes, isto é, as atividades específicas para que a área concretize a missão proposta, incluem temas tradicionais como liderança, cultura, alinhamento organizacional e gestão de pessoas, todos eles construídos e institucionalizados para garantir o cumprimento, com excelência, da função social e não, meramente, a satisfação do acionista. Assim, e literalmente, onde haja impacto na identidade corporativa, cabe a atuação de RH.
Neste novo modelo, a questão fundamental é analisar os impactos das ações de gestão na sociedade, a qual inclui, certamente, os acionistas, os clientes, os funcionários e as comunidades. Quando a ação que beneficia todos ou a maioria desses stakeholders implica risco para a sociedade, RH deve ter a coragem de se opor e garantir o apoio interno necessário para vetá-la ou modificá-la.
Verdade seja dita, o benefício para o acionista continua a guiar o processo de decisão na grande maioria das empresas. Secundariamente, atenção é dada aos impactos nos clientes e nos funcionários e, com alguma condescendência, os impactos na comunidade onde atua a empresa. Essa é a realidade a ser mudada nesse contexto de evolução do capitalismo.
VII – Competências de RH – A proposta
Neste tema, a referência obrigatória é, indiscutivelmente, o trabalho que vem sendo desenvolvido, desde 1997, por Dave Ulrich e seus parceiros na Universidade de Michigan e no RBL Institute, a quem nos referimos anteriormente.
Na última edição desse estudo, divulgada em outubro de 2015, as competências identificadas foram estas:
Para fins deste artigo, destaco as três primeiras, exatamente aquelas que, em minha opinião, contêm a essência do trabalho de liderança política que proponho para o executivo de RH. Como o espaço não permite comentários aprofundados, limito-me a resumir, abaixo, o enunciado de cada uma:
Ativista com credibilidade
Capacidade de o profissional conquistar o respeito e a confiança de que necessita dentro da organização, através de integridade, interesse pelos outros, resiliência e histórico de realizações.
Posicionador estratégico
Capacidade de entender e avaliar os ambientes interno e externo que afetam a organização e de traduzir essa análise em insights práticos que contribuem para o êxito da empresa.
Navegante de paradoxos
Capacidade de, em benefício da organização, maximizar ideias e resultados que são inerentemente contrários entre si, como, por exemplo, estratégia x operação, interesses de funcionários x interesses de acionistas, global x local, mudança x estabilidade.
Outras competências classicamente reconhecidas como orientação para resultados, desenvolvimento de talentos, inovação e comunicação estão abrangidas pelo estudo Ulrich.
Um tema que exige destaque especial nesse estudo é a responsabilidade de RH na gestão da informação, que se insere nas 3 competências acima destacadas. No caso, a informação como se apresente, estruturada ou fragmentada, na planilha financeira ou na sequência de manifestações, nas ruas ou nas redes sociais, de segmentos não articulados da sociedade sobre determinado tema. Acompanhar a informação, cada vez mais volumosa e originada pelas fontes mais diversas, e transformá-la em insights que concretizem ações empresariais bem-sucedidas, eis outro grande desafio para RH na visão desse excelente estudo.
VIII – RH como liderança política
Com as mudanças na sociedade, vem se acentuando, cada vez mais, a natureza política da empresa, tradicionalmente uma instituição econômica e social.
Nessas circunstâncias, a empresa precisa de condução política e é esse o desafio que proponho para a área de RH: assumir o papel de liderança política da organização, criando caminhos, influenciando, mobilizando e engajando os públicos com os quais a área atue, direta ou indiretamente, no cumprimento da função social da empresa.
Competência fundamental para esse papel de liderança é o ativismo preconizado pelo estudo Ulrich. Como ilustração, e para clareza da ideia, o dicionário Webster define ativismo como “doutrina ou política de realizar ações positivas e diretas para alcançar um fim, especialmente um fim político ou social”.
Como líder político, a imagem que melhor descreveria o executivo de RH é a de um estadista, o Estadista da Organização. E, como estamos no tema, me ocorre lembrar esta frase atribuída a Winston Churchill, brilhante estadista britânico do século XX:
IX – Conhecimento técnico e liderança política
Exercer liderança política na organização é essencial para que a gestão de RH seja bem-sucedida. Entretanto, a melhor liderança política naufraga se não acompanhada de sólido conhecimento técnico que, no caso, deve incluir os seguintes campos:
Valorizar o conhecimento amplo e usá-lo em benefício da empresa é tarefa essencial de liderança de RH. Consequência óbvia dessa iniciativa é a valorização da nossa profissão.
X – Executivo de RH ou CEO?
Ao refletir sobre a missão proposta para RH e as competências/conhecimentos recomendados como necessários para exercer essa missão, você poderá dizer que isso mais parece trabalho para um CEO.
Se esse for seu comentário, temos um debate válido, concordo. Para complementar sua reflexão, ofereço duas visões respeitadas sobre o tema:
Estudo Korn Ferry / Dave Ulrich
Vicky Bloch, consultora e educadora
XI – RH e as novas gerações de profissionais
Sabemos que é mínimo o interesse despertado pela área de RH nos estudantes universitários. Candidatos a estágio ou em programas de trainees praticamente ignoram RH quando fazem suas opções.
A culpa por esse estado de coisas é da própria área, que tem falhado na missão de construir uma jornada, e uma reputação, que estimulem os mais jovens a abraçar esta carreira ou, quando a constrói, peca na comunicação para essa audiência específica.
Hoje, quando uma maioria crescente de profissionais busca um propósito no trabalho que fazem, RH tem a oportunidade de lhes oferecer uma nobre jornada, a de trabalhar pelo bem da sociedade, a de melhorar o mundo em que vivemos.
Esse é o chamado (“calling”) de que RH deve se apropriar e no qual deve se inspirar para transformar-se numa opção consciente de carreira para as novas gerações.
XII – Conclusão
Uma revolução, ainda não muito visível, está em andamento: construir um novo universo corporativo, no qual as empresas se conscientizem de que seu propósito é servir a sociedade.
Os que hoje defendem a adoção do capitalismo consciente, ou capitalismo sustentável, ou o conceito de valor compartilhado (“shared value”) têm se dedicado, por atos e palavras, a propor e buscar a evolução do capitalismo.
Não vejo, no contexto americano, a área de RH envolvida nessa discussão, que está sendo liderada por empresários e acadêmicos.
RH no Brasil tem diante de si a oportunidade de entrar para a história, aderindo e fortalecendo esse movimento. Mais do que entrar para a história, a oportunidade de construí-la, assumindo o protagonismo que lhe cabe na gestão da organização.
A opção é seguir o modelo atual, melhorando gradativamente os processos e programas e se mantendo como um coadjuvante consentido.
Na história, qual a história que você, profissional de RH, gostaria de contar ou deixar para as pessoas que você ama, respeita, valoriza?
Salvador Evangelista
Criador e Facilitador de “Estadistas da Organização: O novo padrão de excelência para RH”, programa educativo com duração de 2 dias
https://br.linkedin.com/in/salvador-evangelista-1b0248a
salvador@salvadorevangelista.com
Profissional com carreira de 37 anos em RH, 32 dos quais em cargos de liderança Executivo principal de RH nas seguintes empresas:
Coca-Cola (Rio de Janeiro) – 1987/1991 Alcatel Telecom (São Paulo) – 1997/1998 American Express (São Paulo) – 1998/2006 American Express / Bradesco – 2006/2008 (transição para gestão Bradesco)
Entre 1969 e 1987, 19 anos de trabalho na indústria automobilística (General Motors, ANFAVEA e Ford, todas na Grande São Paulo) Gerente de T&D para a América Latina em “The Coca-Cola Company”, em Atlanta, EUA (1991/1994) Advogado formado pela Universidade de São Paulo em 1974, com Mestrado em Direito do Trabalho pela mesma Universidade (1985) Para mais informações, visite salvadorevangelista.com