A função “escolher” pessoas e “reconhecer” que elas funcionam de maneira diferente acompanha a história da humanidade há milhares de anos. E os processos de escolha de seres humanos nos remetem a diferentes critérios e instrumentos que vêm desde o Antigo Testamento, passando pelo Novo Testamento, percorrendo as idades Média, Moderna e chegando até os dias de hoje.
Há dois mil anos Jesus utilizou seus métodos por ocasião da escolha de seus apóstolos. Conforme narra a Bíblia, “naqueles dias retirou-se para o monte a fim de orar, e passou a noite orando a Deus. E quando amanheceu, subiu o monte, chamou a si os seus discípulos e escolheu doze dentre eles”. Quatro deles eram pescadores (Pedro, André, Tiago e João), um era Coletor de Impostos (Mateus), um era um ex-partidário de um grupo de extrema esquerda, chamados de zelotes (Simão o Zelote), outro que às vezes parecia muito difícil de entender as coisas (Filipe), Tomé, que em geral parecia pessimista, Judas, quem o traiu e três outros a respeito de quem simplesmente não sabemos coisa alguma. O Antigo Testamento relata que, o Profeta Jonas, não obedecendo a um chamado de Deus para ir à cidade de Nínive, foi engolido por um grande peixe e permaneceu dentro dele durante três dias e três noites.
No Novo Testamento, o judeu Saulo, perseguidor dos cristãos, cai do cavalo a caminho de Damasco, e encontra-se com Jesus. Ele ficou três dias sem enxergar, durante os quais nada comeu nem bebeu. Tornou-se a partir daí o maior propagador do cristianismo depois de Cristo.
Na Grécia antiga, Sócrates (470-399 a.C.) criou e aprimorou técnicas para aferir o grau de conhecimento de seus alunos pelo método da maiêutica – arte de “partejar” os espíritos, numa alusão à profissão de sua mãe, que era parteira. Por esse procedimento, o filósofo auxiliava o interlocutor a encontrar a resposta em um trabalho de reflexão (Carvalho, 2000).
Bem antes dessa época, três mil anos atrás, funcionários imperiais chineses aplicavam exames difíceis para identificar quem estava apto a ingressar na burocracia e dirigi-la. Na Idade Média, líderes da igreja procuravam estudantes que fossem ao mesmo tempo estudiosos, sagazes e devotos (Gardner, 2000).
Originalmente, a contratação e a demissão de pessoas – o núcleo tradicional das atividades da área de Recursos Humanos – eram realizadas por agentes de compras. A lógica era que os agentes de compras adquiriam terra, equipamentos, matéria-prima e, por extensão natural, pessoas (Ulrich, 1998:289). Devido em parte, a essa atitude desumanizante, este autor comenta o surgimento de sindicatos para representar os funcionários. Por outro lado, para negociar com os sindicatos, as empresas passaram a necessitar de seus próprios representantes, dando origem à especialidade de relações trabalhistas no âmbito de recursos humanos. Assim foram surgindo as outras especialidades da área de Recursos Humanos.
A função de contratação surgiu da crença de que, por meio de testes e avaliação, os funcionários poderiam ser adequados aos cargos e ter seu desempenho incrementado (Ulrich, 1998).
A década de 20 do século XX marca o período histórico do surgimento da Psicologia Industrial ou Psicologia do Trabalho. As áreas de conhecimento precisavam instrumentalizar-se a fim de ganhar status de ciência. Nesse contexto, em consonância com a corrente positivista que marcava o pensamento filosófico da época, nasceram os instrumentos de mensuração e de avaliação do indivíduo, dando origem à Psicometria ou Psicotécnica ou Psicotecnologia. Embora a década de 20 seja considerada como aquela que deu origem à Psicologia Industrial, o maior impulso recebido pelos testes psicológicos ocorreu, talvez, durante a Primeira Guerra Mundial, quando o Exército dos Estados Unidos resolveu aplicar testes de inteligência nos soldados. Testes estes que haviam sido em princípio elaborados para uso em escolas (Nogueira, 1986).
A Primeira Guerra Mundial (1914/18) e a depressão econômica americana (1929) foram fatores que influenciaram largamente o desenvolvimento de testes psicológicos como instrumentos de seleção de pessoas. Essa seleção de pessoas realizada por meio dos testes psicológicos fundamenta-se no pressuposto de que a boa realização de uma tarefa está relacionada com a presença de certas características mentais (Aguiar, 1992).
Até os anos 60, o teste de inteligência era frequentemente a ferramenta preferida, ou a única utilizada, para determinar se alguém desempenharia bem uma tarefa ou se seria adequado para realizá-la. No entanto, o interesse pela psicometria no Brasil, que fora acentuado entre 1930 e 1960, sofreu marcante declínio a partir da década de 60 (Pasquali, 1991). Segundo o autor, tal desinteresse é atribuído ao descaso de nossos pesquisadores pelas qualidades psicométricas do instrumental psicológico e, mais ainda, à supervalorização das avaliações qualitativas, em detrimento das quantitativas.
Essa abordagem navegou tranquilamente até essa época, mas, nesse momento, a administração foi chacoalhada em suas bases pelos movimentos de participação, e, desde então, a abordagem da engenharia começou a ser fortemente questionada tanto na administração como na psicologia aplicada ao trabalho (Malvezzi, 1998).
Na década de 80, pressionada pelas evoluções da sociedade e das organizações, a área de Recursos Humanos viu-se obrigada a questionar os instrumentos até então utilizados na seleção de pessoas. Nasce a abordagem “Situacional” que trazia como pressuposto a concepção de homem vinculado ao seu contexto sociopolítico, cultural e profissional (Nogueira, 1986).
A década de 80 também marca a obsolescência do modelo taylorista/fordista de produção e com a crise do capitalismo (recessão econômica mundial) grandes organizações nos EUA e Europa começaram a pensar em saídas para a gestão de pessoas, a partir do conceito “Competência”. Apenas para citar as pioneiras, estamos falando de Unilever, McDonalds, Siemens, Nestlé, Monsanto, Avon, Citibank, Amex, Dow Agrosciences, BankBoston (hoje Itaú), Tintas Coral (hoje Akzo Nobel).
Já em 1973, David McClelland, psicólogo americano que trabalhou durante 30 na Universidade de Harvard, revendo pesquisas e estudos, concluiu que os testes tradicionais de conhecimento, aptidão e inteligência utilizados em seleção de pessoas não eram capazes de predizer sucesso no trabalho e na vida. Essa descoberta levou-o a sugerir que, além do fator inteligência, se avaliasse cada característica pessoal que contribuísse diretamente para o desempenho superior em uma tarefa específica. Ele propôs o termo “competência” como uma característica que também deveria ser avaliada. Essa abordagem é introduzida no Brasil, capitaneada por grandes organizações, nos anos 90.
A área de RH tem ampliado cada vez mais, o uso de tecnologias (Algoritmo de mach cultural, Videoentrevista, Redes Sociais, Computação cognitiva, Marketplaces ou Job boards etc) para melhorar seus processos: economizar recursos e tempo, aumentar as chances de encontrar os profissionais certos, e tornar as empresas mais atraentes como empregadoras. Inicialmente isso aconteceu em suas áreas “hard” (Gestão de Cadastros, Folha de Pagamento, Ponto, Informações ao Governo etc). Outra mudança acontece nas empresas mais socialmente responsáveis, com gestores mais abertos ao diferente, que têm facilitado a contratação de LGBT, Pessoas com Deficiência e Veteranos. Cada empresa tem de olhar sua estratégia, seu momento, seu mercado, seus processos, sua cultura, seus públicos de relacionamento e seus consumidores, e então decidir que tecnologia vai adotar (Bueno, L.A.F – HSM Management, Ed. 124).
Nos últimos três anos a tecnologia está transformando a área de Recrutamento e Seleção. Como essa área passou a ser considerada pela empresa como uma atividade estratégica e, uma decisão errada pode trazer impactos significativos, o uso de tecnologias gera não só ganhos de eficiência (decisões mais acertadas e menor tempo na execução), como também reduz riscos e subjetivismos. A IBM por exemplo, utiliza a Inteligência Artificial (IA) para analisar candidatos externos e internos, justamente para que os avaliadores não levem em conta os próprios preconceitos na hora da escolha (Revista Veja, ed. 2557 – No 47 – 22/11/17).
É preciso levar em conta que as tecnologias mudam rápido. Em alguns anos, pode ser que você esteja andando na Av. Paulista e, de repente, uma ferramenta de reconhecimento facial o(a) identifique, consulte suas redes sociais, faça o match com uma vaga, entreviste-o(a) por celular e o(a) contrate. Enquanto isso não ocorre, uma coisa é certa: a área de RH ainda seguirá em mãos humanas por algum tempo (Revista HSM Management – No 124 – set./out. 2017.
Embora nos idos de 1637 René Descartes tivesse dito que o bom senso é a coisa mais bem repartida entre as pessoas, técnicas de seleção de candidatos de empresas de ponta no mundo moderno indicam que esta ainda é uma qualidade valiosa (Cohen, 1997).
“Não é exagero afirmar que a boa situação de uma empresa depende em grande parte da qualidade de seus administradores; e nenhuma atividade da empresa é mais importante do que a de escolher esses administradores” (Koontz & O’Donnell, 1978).
Fausto A. Duarte
Graduação em Psicologia e Mestrado em Gestão por Competências (PUC/SP); nos últimos 15 anos vem atuando em Consultoria de Recursos Humanos desenvolvendo e aplicando programas de treinamento e desenvolvimento para Lideranças e Equipes e projetos relacionados a Mapeamento e Construção de Modelos de Competências, Seleção por Competências, Avaliação e Gestão de Desempenho, Mapeamento de Cultura Organizacional, Coaching Executivo e Transição de Carreira.
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