Esta semana temos a alegria de trazer uma entrevista com Sven Frölich-Archangelo, especialista em Comunicação Não-Violenta. Esperamos que gostem do tema e do conteúdo trazido por Sven! Ao final da entrevista vejam o video com dicas sobre como lidar com a raiva através da CNV! E na sexta publicaremos um video de demonstração de CNV!
Mini curriculo: Sven Fröhlich-Archangelo, alemão residente no Brasil, administrador de empresas pela Universidade de Göttingen, Alemanha. É treinador internacional de Comunicação Não Violenta, comunicação intercultural e mediação de conflitos. Dentre os seus clientes na Alemanha estão o exército alemão, o governo da Bavária e a associação humanitária alemã “Internationaler Bund”. No Brasil trabalha para várias empresas e desenvolveu, junto com a prefeitura de Campinas, um projeto para prevenção de violência para a Secretaria de Saúde.
QC: O que é Comunicação não Violenta (CNV) qual sua origem?
Sven: Eu vejo a CNV como a arte de transformar um conflito em uma dança. E aí nos perguntamos qual é a diferença principal entre uma dança e uma briga? É a conexão entre as duas pessoas. Quando nós brigamos, dificilmente temos uma conexão com o outro porque na maioria das vezes estamos ocupados em atacar e defender. E sem conexão é difícil ter um dialogo, é difícil mandar uma mensagem quando o outro não a recebe. Ao contrário, numa dança estamos em sintonia com outro porque temos uma boa conexão, que até nos permite perceber sinais muito sutis.
Na CNV só dá para compreender se entendemos a importância de estabelecermos uma conexão com o outro, se nós compreendemos como a conexão com outros seres humanos é fundamental para nossa vida. Como o filósofo Erich Fromm disse no seu livro “A Arte de Amar”: o pior medo do ser humano é estar separado dos outros, estar excluído. Nós fazemos tudo para ter uma conexão com os outros e por isso ser ignorado pelos outros é um dos castigos mais cruéis, porque ignorar uma pessoa significa que ela não existe.
Então o objetivo da CNV é isso, estabelecer uma conexão com o outro ser humano. Mas queremos uma conexão que tenha qualidade, uma conexão de coração. Todo o processo da CNV foca neste objetivo principal e assim tentamos entender quais são os fatores que impedem ou favorecem essa conexão com os outros. O que podemos fazer para ter uma conexão de banda larga com o outro ser humano onde a comunicação flui em harmonia, com leveza e sem interrupções?
Um dos primeiros passos antes de tudo é uma mudança de olhar, uma mudança de foco, especialmente em momentos de conflito. A tendência na hora do conflito é querer mostrar que o outro tem a culpa, ou às vezes o contrário, achamos que nós temos a culpa. De qualquer forma o padrão é que alguém tem que ter culpa, alguém está errado. E por causa disso cada um usa toda sua energia para convencer o outro de que ele está errado. Na CNV queremos sair deste padrão destrutivo que cria somente um muro entre as pessoas. Na CNV vemos cada conflito como uma expressão de necessidades não atendidas, porque no final tudo que fazemos é para atender alguma necessidade. Às vezes é uma expressão muito trágica porque usamos comportamentos agressivos ou nosso poder para conseguir atender nossas necessidades. E o resultado na maioria das vezes não é muito satisfatório e sustentável, especialmente quando atendemos nossas necessidades à custa das necessidades do outro. Então a essência da CNV está na mudança de foco: de nossos erros e dos erros do outro, para as necessidades de todos, com o objetivo de estabelecer uma conexão que nos permite procurar um caminho que atende as suas e as minhas necessidades.
QC: Qual a origem da CVN?
Sven: O criador da comunicação não-violenta é o psicólogo americano Marshall B. Rosenberg. Na infância ele experimentou várias situações de violência. Uma que ele acostuma contar é sobre um conflito racial no bairro em que vivia, quando morreram 40 pessoas e ele e a família passaram três dias trancados em casa. Sendo judeu ele também sofreu bastante discriminação dos colegas na escola, que o bateram e o insultaram. Ao mesmo tempo ele teve a sorte de ter experiências completamente contrárias dentro de sua família, muitas experiências de compaixão e amor. O que chamou muito a atenção dele foi a experiência de ver seu tio cuidando da avó quando essa estava muito doente, com paralisia no corpo inteiro. O que mais o impressionou foi como o tio cuidava da avó, com toda alegria, parecia que ele estava muito feliz fazendo isso. Então desde a infância ele se perguntava o que precisamos para manter nossa capacidade de ser compassivos e o que nos desliga de nossa natureza compassiva? Procurando respostas a essas perguntas ele desenvolveu o processo da CNV. Que foi o resultado de sua especialização em psicologia social, seus estudos de religião comparada, experiências no trabalho, projetos sociais e vivencias pessoais.
QC: Na sua opinião quais as vantagens de se usar a Comunicação não Violenta?
Sven: A CNV para mim é a mágica que acontece quando duas pessoas tem um encontro autêntico e empático. Aprender a CNV para mim foi libertador. Mostrou-me um caminho para ser real, autêntico, poder viver minha verdade sem limitar o outro. Um caminho que permite duas pessoas viverem suas verdades, ser 100% elas mesmas e deixar o outro ser ele mesmo.
Aprendi que eu posso aceitar o outro completamente, mesmo em situações desafiantes, mesmo não concordando com ele, quando consigo enxergar a necessidade por atrás do comportamento do outro, que se manifesta naquele momento e que nos conecta como seres humanos. Quando consigo receber o outro empaticamente, percebo que o outro também está disposto a oferecer empatia para mim e para meu mundo. E assim através de um diálogo autêntico e empático criamos um campo de confiança profunda que nos permite abrir nosso coração e mostrar-nos vulneráveis sem ter medo de julgamentos.
A CNV despertou um nova consciência em mim, me ajuda enxergar quando estou reagindo automaticamente num conflito sem pensar, quando só penso em atacar e defender.
Me ajuda desacelerar nestes momentos e perceber minhas necessidades e as necessidades do outro e assim consigo responder conscientemente de um lugar onde tenho uma escolha, um lugar além de certo e errado que serve para a vida. Dá para resumir na frase Victor Frankl:
”Entre o estímulo e a resposta existe um espaço. Nesse espaço está o nosso poder de escolher a nossa resposta. Na nossa resposta encontra-se o nosso crescimento e a nossa liberdade. “
Com a CNV aprendi também a ser mais empático comigo mesmo. Aprendi transformar minha raiva, culpa e vergonha em compaixão quando consegui receber estes sentimentos como presentes que me mostram quais das minhas necessidades não estão sendo atendidas e que eu preciso cuidar delas. E ao cuidar e considerar de minhas necessidades percebi que eu consigo cuidar melhor das necessidades dos outros.
QC: Como aplicar a Comunicação não Violenta? Quais os princípios/passos para colocá-la em uso?
Sven: A essência da CNV para mim é prática da autenticidade e empatia. Ser autêntico para mim implica a coragem de tirar minha máscara, vejo isso como um dos passos principais na jornada da CNV. Eu acho que nas interações de nosso dia a dia muitas vezes colocamos uma máscara para proteger-nos ou para receber o reconhecimento dos outros. Uma máscara que tem a ver com algum ideal que nós e os outros temos. Só quando uso esta máscara do bonzinho, do fortão, do sempre-alegre, ou seja, o que for, muitas vezes não corresponde com minha realidade interna, aí começo a fingir algo que não é verdade. Usando a máscara minha tendência é esconder de você meu medo, minha insegurança, minha dor e tristeza que também fazem parte da minha existência. O problema é que talvez eu possa conseguir esconder uma parte minha de você, mas não vou conseguir esconder esta parte de mim mesmo, ela ainda existe e tem seu poder sobre meu comportamento. E se você também vai fazer do mesmo jeito, ficamos nós dois escondendo nossa parte vulnerável porque temos medo de ser julgados. O resultado é uma conexão entre duas máscaras, e não vamos ter uma conexão entre dois seres humanos. Esconderemos nossa humanidade atrás da máscara. Preferimos atacar, criticar o outro para parecer forte em vez de mostrar nossa insegurança, nosso medo e nossa dor. Isso tem uma consequência, fazendo isso será cada vez mais difícil para nós enxergar o outro como um ser humano, facilmente vamos perceber o outro como uma ameaça, especialmente no momento de conflito.
Na CNV queremos mudar isso, acreditamos no poder da vulnerabilidade. Que significa quando eu consigo me mostrar verdadeiro, autêntico e vulnerável, não sou mais uma ameaça para você. E você ao perceber-me fazendo isso vai criar cada vez mais confiança em mim. Minha autenticidade te ajuda começar a abrir suas portas. E quando nós dois conseguimos abrir nossas portas temos um encontro entre dois seres humanos, sem máscara, sem julgamento e com uma confiança profunda.
Se o objetivo é autenticidade e alguém não gosta de mim, eu posso aguentar. Mas se o objetivo é que gostem de mim e não gostam, estou com problemas.“ Brené Brown
A outra parte da CNV é a prática de empatia. A empatia é muito poderosa. Para mim ela tem dois poderes:
Primeiro poder é da escuta empática – quando alguém me escuta empaticamente com curiosidade e atenção plena, sem julgamentos, sem aconselhar, educar ou consolar, sinto uma imensa felicidade e paz. A presença do outro com a ausência de qualquer julgamento, me ajuda também a olhar para mim mesmo sem meus autojulgamentos, começo a perceber coisas dentro de mim que não conseguia enxergar antes, consigo conectar-me com meus sentimentos e necessidades mais profundos e assim compreender-me melhor e perceber a essência de meu problema. As nuvens desaparecem e eu tenho cada vez mais clareza sobre o que preciso e o que quero fazer. O contrário acontece quando alguém não consegue escutar empaticamente, quando começa a dar conselhos, sem que eu tivesse pedido, ou começa a contar sua história que parece semelhante à minha, aí percebo como isso me desconecta de mim mesmo, não consigo mais olhar dentro de mim profundamente, e minha atenção vai para o outro. Para eu receber uma escuta empática é um verdadeiro presente, o presente do outro por estar completamente “presente” comigo.
O segundo poder da empatia acontece no momento de conflito. Para mim nesta situação a empatia é a arte de abrir um presente feio. O que quer dizer isso? Quando uma pessoa me ataca, me critica ou insulta pode ser muito desafiante, pode mexer muito comigo. Uma pessoa chega para mim e me chama, por exemplo, de arrogante, injusto, mentiroso, idiota, folgado. Neste momento a arte é não entrar no automático, o que na maioria das vezes seria fazer um contra-ataque, defender-se ou justificando-se. O desafio é agora respirar fundo e tentar enxergar o outro como um ser humano que está tentando atender uma necessidade importante para ele. Persistindo nesta postura o outro percebe que eu me importo com ele, que eu tenho interesse na necessidade dele, e isso traz também uma mudança na postura dele. Por que isso funciona? Quando o outro percebe que eu tenho interesse na necessidade dele, que eu estou disposto a considerar a necessidade dele, ele não precisa mais usar suas armas. Todas as armas eram para chamar atenção, para ser visto para garantir que as necessidades sejam atendidas. Mas se ele percebe que eu estou aberto e interessado nas necessidades dele, para que usar armas? Não são mais necessárias.
QC: Quais os principais desafios que devemos superar para conseguir resultados melhores em nossa comunicação com os demais?
Sven: Desafio número um para mim é o julgamento, nossa reação automática quando uma pessoa faz algo que não gostamos, que não concordamos. Quando julgo a pessoa, normalmente acho que ele faz algo errado e precisa mudar, ele tem a culpa pelo meu mal estar. Só que o outro na maioria das vezes não acha isso, ao contrário ele acha que eu tenho a culpa e preciso mudar, e aí começa o jogo de ping-pong, cada um tenta convencer que o outro está errado. Além disso o julgamento na maioria das vezes está sendo acompanhado pela raiva, e a tendência é de querer atacar ou castigar o outro. Sair deste padrão automático é o grande desafio.
Como podemos conseguir isso? Primeiro passo é importante perceber que uma outra pessoa não pode me fazer sentir algo, ninguém no mundo tem este poder. Quando estou ansioso, triste, preocupado, magoado, decepcionado todos estes sentimentos são meus, eu sou 100% responsável por eles, por que dependem das minhas necessidades e das minhas interpretações e avaliação da situação ou do comportamento do outro. Isso fica claro quando você pergunta para várias pessoas o que elas sentem quanto a uma certa situação, você vai receber várias respostas diferentes, o que mostra que a situação ou o comportamento do outro não podem ser responsável pelo seu sentimento. Isso já traz uma mudança grande, assim não vou culpar mais o outro por ser responsável pelo meu mal estar. E ao mesmo tempo eu sei que eu não sou responsável pelo mal estar do outro.
Em vez de culpar o outro vou compartilhar com ele o que está vivo dentro de mim quando ele fez algo que não gostei, que seria o segundo passo. Vou compartilhar com ele como eu me sinto e qual é minha necessidade não atendida neste momento. Fazendo isso me mostro vulnerável, como um ser humano, vou compartilhar algo que o outro conhece que nos conecta como seres humanos, que temos em comum: nossos sentimentos e necessidades. Então em vez de julgar e culpar o outro vou compartilhar o que eu preciso, o que é importante para mim. Não ser responsabilizado pelo meu mal estar aumenta a chance de o outro ter vontade de me ouvir e me considerar.
Terceiro passo e desafio é o olhar empático. Sempre tentar perceber que tudo que uma pessoa faz, seja o que for, mesmo com violência tem por trás uma necessidade não atendida. Perceber que tudo o que nós fazemos na vida é a expressão de uma necessidade, elas são o motivo atrás de tudo. E o problema no conflito nunca é a necessidade da pessoa, senão o caminho que ela escolheu para atender esta necessidade. Assim o conflito não existe no nível do motivo, ele existe somente no nível da estratégia, da escolha da pessoa de como ela tenta atender sua necessidade. Se uma mãe bate na filha porque ela quer atravessar uma rua perigosa com muito trânsito, meu conflito com ela não é a necessidade dela de proteger a filha, é o caminho que ela escolheu batendo nela. Eu também conheço esta necessidade dela, e isso me ajuda a conectar e a conversar com ela, e juntos encontrarmos talvez um outro caminho que atende a minha e a necessidade dela.
QC: Qual seria um pensamento final que você gostaria de deixar para os leitores do Blog?
Sven: Tente perceber em qualquer momento sua beleza e a beleza do outro, mesmo no momento de conflito, sabendo que sempre uma necessidade está se manifestando. Isso nos conecta com a vida. Se eu consigo enxergar seu xingamento como um grito desesperado para receber mais atenção e você consegue receber minha falta de comprometimento como uma tentativa de cuidar de mim, conseguimos ainda perceber nossa humanidade. E quando conseguimos falar de nossas necessidades um para o outro, chegamos num lugar onde conectamos como dois seres humanos cada um procurando um caminho para atender sua necessidade, e a partir deste lugar podemos procurar juntos um caminho que atenda a minha e a sua necessidade.
Vejam o video sobre como lidar com a raiva através da CNV e lembrem-se do video da demonstração prática de CNV na sexta!!
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Eu tenho lido e assistido vários vídeos sobre CNV e continuo mais curiosa em fazer cursos e estudar.
Quando penso que entendi alguma coisa, imediatamente sou surpreendida por outras questões e vejo que não entendi nada!
As sutilezas das falas sobre julgamento, raiva, máscara, sinceridade, simpatia e empatia, ficam confusos para mim e intrigantes! Compaixão, responsabilidade pela ação e pela fala? Não sei, quero estudar.
Olá Christina,
Esse tema é realmente intrigante e complexo, mas ao mesmo tempo fundamental para nos relacionarmos de maneira mais humana. Sugiro que leia o livro Comunicação Não Violenta de Marshall Rosenberg, o criador do método da comunicação não-violenta.
Abrs, e bom estudo!