A literatura expõe uma série de abordagens sobre o conceito de “talento”; que aparecem desde citações bíblicas no Novo Testamento (Primeira Epístola de Pedro, capítulo 4, versículo 10; Epístola de Paulo aos Romanos, capítulo 12, versículo 6 a 8; Primeira Epístola de Paulo a Timóteo, capítulo 4, versículo 14) – onde se afirma que devemos usar com dedicação os dons que recebemos de Deus – e se estendem para outras áreas da ciência; educação, artes, esportes etc.
No campo das organizações, a chamada “guerra por talentos” foi oficialmente lançada no ano de 1998, pela consultoria americana McKinsey & Company, através de uma pesquisa realizada com mais de 90 empresas e cerca de 6 mil gerentes e executivos. Tal estudo havia concluído que nas próximas décadas os talentos constituiriam o recurso corporativo mais importante e valioso.
Identificar o significado preciso de Gestão de Talentos é uma tarefa difícil, uma vez que os termos “gestão de talentos”, “estratégia de talentos”, “gestão de sucessão” “mapeamento de potencial” e “planejamento de Recursos Humanos” são frequentemente utilizados como sinônimos, evidenciando assim uma verdadeira confusão entre as muitas definições, termos e suposições feitas por autores que abordam a questão (Lewis; Heckman, 2006).
Para a McKinsey, talento é um termo que identifica “os melhores e mais brilhantes” (Beechler; Woodward, 2009), que remete à noção daquilo que é diferente, sendo uma característica de alguns indivíduos apenas. Outras empresas utilizam a palavra talento como sinônimo de todos os seus funcionários.
Na literatura nacional e internacional, esses autores observam que o uso do termo talento é frequentemente associado à pessoas extraordinárias, indivíduos que se constituem numa minoria, uma elite, e como tal devem ser tratados. Assim, há uma referência à pessoa que traz em sua bagagem, um conjunto privilegiado de competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) que a diferencia das demais. Portanto, nem todos podem ser considerados talentos.
Lewis e Heckman (2006) e Collings e Mellahi (2009) ao fazerem uma revisão da literatura internacional sobre o tema, identificaram quatro perspectivas acerca da gestão de talentos.
A primeira, vista por eles como supérflua por não apresentar avanço na compreensão do assunto, define Gestão de Talentos como um conjunto de práticas típicas da área de RH, executadas de forma mais ágil. Ou seja, fazer gestão de Recursos Humanos com mais rapidez.
A segunda vertente sugere que a Gestão de Talentos esteja atrelada ao Planejamento Sucessório e/ou Planejamento de Recursos Humanos. Concentra-se principalmente no conceito de talent pool. O entendimento é que essa abordagem também não apresenta avanço teórico ou prático.
A terceira perspectiva, na versão dos autores, a mais problemática, foca a gestão de pessoas talentosas de forma mais genérica; ou seja, profissionais altamente competentes devem ser atraídos e devidamente retidos, independente de suas funções específicas. Essa abordagem sugere que as empresas devem, em geral, gerenciar a performance de seus talentos de forma indiferenciada, cabendo ao RH gerir todos aqueles que apresentam alto desempenho. A iniciativa de gerir o talento inerente a cada pessoa pode ser bem intencionada, mas não é estratégica, uma vez que não oferece nenhuma orientação para o direcionamento e a alocação de recursos.
Uma quarta corrente de pensamento, esses mesmos autores sugerem a identificação de posições-chave que afetam de forma diferenciada a vantagem competitiva da empresa. Entendido dessa forma, o ponto de partida da Gestão de Talentos passa a ser o reconhecimento de posições altamente relevantes, seguido do desenvolvimento de um pool de talentos, os quais devem assumir papéis relacionados distintamente com a estratégia da empresa, sendo necessária a diferenciação entre os profissionais que são talentos estratégicos e aqueles que não o são.
Ashton e Morton (2005) defendem a ideia de que Gestão de Talentos pode ser uma abordagem estratégica e holística para o planejamento de RH e do negócio ou uma nova rota para eficácia organizacional. Embora reconheçam a carência de uma definição única, clara e consistente sobre o termo, afirmam que uma boa Gestão de Talentos é de extrema importância para a estratégia da empresa.
Ao analisarem a produção brasileira e estrangeira sobre Gestão de Talentos no campo da Gestão de Pessoas, Freitag, B. et ali (2012) constataram atributos relativos à performance, potencial e à competência nas definições e abordagens encontradas.
Em geral, as concepções de talento complementam-se na noção de que pessoas talentosas são aquelas que põem em prática suas capacidades, visando atingir melhores resultados para a organização. Esta, por sua vez, tem como dever motivar e permitir a manifestação interna de seus talentos (Almeida, 2004). Tal percepção aproxima-se muito da literatura existente sobre Gestão por Competências. Percebe-se aqui a relação com uma noção de ação, uma ação desempenhada com sucesso, algo que se manifesta na prática de um sujeito (Oliveira-Castro, 2001).
Ross (2013) acredita que uma abordagem baseada em competências para identificação de talentos simplesmente substitui o desafio de definir “talento” pelo desafio de identificar as competências desejadas para determinados papéis, em um ambiente que muda constantemente. A autora defende que o mesmo acontece quando talento é definido como potencial, visto que, se as organizações lutam para definir talento, vão lutar ainda mais para determinar se o indivíduo tem ou não potencial.
Referências:
ALMEIDA, Walnice. Captação e seleção de talentos: Repensando a teoria e a prática. São Paulo: Atlas, 2004.
ASHTON, Chris; MORTON, Lynne. Managing talent for competitive advantage. Strategic Human Resource Review, 4(5), p. 28−31, 2005.
COLLINGS, David G.; MELLAHI, Kamel. Strategic talent management: A review and research agenda. Human Resource Management Review, v. 19, n.4, p. 304 – 313, 2009.
FREITAG, Bárbara Beatriz; OHTSUKI, Celi Hiromi; FERREIRA, Marcos Aurélio de Araújo. A Gestão de Talentos no campo da Gestão de Pessoas: tema emergente? In: Encontro Nacional da ANPAD – EnANPAD. Anais… , 2012. Rio de Janeiro – RJ: XXXVI EnANPAD.
LEWIS, Robert E.; HECKMAN, Robert J Talent Management: A critical review. Human Resource Management Review, v. 16, p. 139 – 154, 2006.
OLIVEIRA-CASTRO, Jorge M. “Fazer na cabeça”: Análise conceitual, demonstrações empíricas e considerações teóricas. Psicologia USP, 4, 171-202, 1993.
ROSS, Suzanne. How definitions of talent suppress talent management. Industrial and Commercial Trainning, v. 45, n. 3, p. 166-170, 2013.
Esse é um artigo de uma série de dois. Em breve você poderá ter acesso ao segundo, fique atento e acompanhe o blog!
Fausto A. Duarte
Graduação em Psicologia e Mestrado em Gestão por Competências (PUC/SP); nos últimos 15 anos vem atuando em Consultoria de Recursos Humanos desenvolvendo e aplicando programas de treinamento e desenvolvimento para Lideranças e Equipes e projetos relacionados a Mapeamento e Construção de Modelos de Competências, Seleção por Competências, Avaliação e Gestão de Desempenho, Mapeamento de Cultura Organizacional, Coaching Executivo e Transição de Carreira.