“Somos sempre o jovem ou velho em relação a alguém”. De autoria daquele que é considerado um dos maiores sociólogos franceses das últimas décadas, e um dos mais importantes pensadores do século 20, Pierre Félix Bourdieu (1930-2002).
Uma justificativa para este post não é outra senão aquela que já conhecemos: o Brasil está envelhecendo. Há um crescimento da população com mais de 60 anos. Essa é uma tendência mundial. Segundo dados do último Censo do IBGE (2010), há cerca de 19 milhões de brasileiros nessa faixa etária; o que corresponde a quase 10% da população.
A estimativa é de que até 2025 existam mais de 32 milhões de idosos no país. A expectativa de vida atual do brasileiro é de 75,5 anos (IBGE, dez/2016). Para as mulheres há uma expectativa de vida de 79 anos; e para os homens de 72 anos. Sabemos também que a ampliação do tempo de vida deve-se, principalmente, aos avanços da medicina e da tecnologia, que criaram novos meios para os cuidados com a saúde e com a qualidade de vida.
Maria Cecília Minayo e Carlos Everaldo Coimbra, em sua obra “Antropologia, Saúde e Envelhecimento” discorrem sobre o fenômeno do envelhecimento, e criticam a visão da velhice na sociedade brasileira e no mundo ocidental. Para esses autores, no nosso imaginário social sobre a velhice, ou seja, a nossa representação social mostra que a pessoa velha (expressão dos autores) é um problema para a medicina, para as famílias e para a sociedade/governo. Esta é a segunda justificativa para este artigo; repensarmos nossa postura sobre a chamada terceira idade.
Problema de saúde pública na medida em que essa fase da vida passa a ser considerada como uma fase de doenças, limitações e proibições quanto ao estilo de vida. Exemplo das pessoas que conhecemos, que já não conseguem mais sair de casa ou têm restrições quanto à forma de alimentação. Dessa forma, segundo os autores, essa fase da vida é controlada por meio da medicina/geriatria e demanda estudos e pesquisas por exemplo, sobre prevenção de doenças. Sem mencionar a quantidade de tempo e atenção dedicados pelos profissionais da área da saúde, ainda mais em se tratando de doenças crônicas ou incapacitantes.
Problema familiar na medida em que se torna uma carga econômica no sentido de que o idoso já não produz mais, estando muitas vezes aposentado, e nem sempre com o(s) recebimento(s) adequado(s) ao seu custo de vida e, dessa forma terá despesas diversas, como: exigência da adaptação do layout das residências para facilitar sua locomoção e dar segurança; quando colocados em casas de repouso/asilos também torna os idosos um problema financeiro e emocional. As famílias que não têm condições de colocar o idoso em casas de repouso também são oneradas financeira e emocionalmente. Estamos falando de doenças físicas e psicológicas, de despesas médicas (medicamentos, internações, cuidadores/enfermeiros) o tempo e preocupações dispendidos pelos familiares, dificuldades na convivência devido às diferenças de gerações (hábitos, alimentação, valores etc).
Problema social e governamental quanto às questões relativas à oneração do sistema público de saúde (previdência social, aposentadoria) e políticas para o idoso (Estatuto do Idoso). É responsabilidade do Estado/Governos tomar conta do idoso. Nesse sentido, a sociedade, por meio de impostos, deve arcar com as despesas para a manutenção dos serviços públicos de saúde e previdência social.
Nossa cultura padroniza nossa vida estabelecendo que a infância e adolescência são ciclos para estudar; a vida adulta está destinada ao trabalho/gerar riqueza e procriação; e a velhice está relacionada com aposentadoria (= retirar dos aposentos, do convívio social). Assim, no nosso imaginário social a velhice é vista como uma ameaça às mudanças no sentido de que toda velhice passa a ser vista como conservadora; o velho vai querer manter as coisas como elas eram no seu tempo ou, como são agora. Somando-se a isso o fato que o velho, a princípio já não produz mais, e não se reproduz, ele passa a ser considerado no nosso imaginário como descartável.
Se entrarmos no google e digitarmos “velho” ou “aposentado” muito provavelmente iremos encontrar imagens de pessoas com cabelos brancos, sentadas em bancos de praças, na fila de postos de saúde, pessoas tristes ou doentes. Portanto, imagens que remetem à tristeza e fazem lembrar o passado. Como não queremos viver do passado, mas do futuro, e como essa imagem representa uma ameaça às mudanças, então o idoso pode ser descartado. Esse imaginário social “ser descartável” é reforçado pela imagem/ideia de que o velho é alguém frágil, por conta de possíveis problemas de saúde que possam ocorrer nesta fase. Temos também o estereótipo que o velho é feio; bonito é o jovem. Enxergamos também o idoso como alguém que é vagaroso, isto é, não pode executar as tarefas com a velocidade/energia esperada/exigida, por exemplo, pelo ambiente de trabalho corporativo. Ou seja, a velhice é vista como problema, como doença, como uma fase que exige cuidados e ocupa o tempo das pessoas.
Minayo e Coimbra citam alguns “véus” que escondem esses estereótipos. O primeiro deles é que a velhice é uma etapa de recolhimento interior; justificada pelo afastamento do trabalho. Outro véu é a visão da inatividade. Antigamente as pessoas, quando se afastavam do trabalho, recebiam na carteira de trabalho um carimbo com a palavra “inativa”. O terceiro véu é que, a velhice é uma época para a prevenção de doenças. E aí temos a perspectiva da medicalização. Finalmente, o véu das práticas da terceira idade; a ideia de que esta etapa da vida vai ser “infantilizada”, sendo expressa, por exemplo, nos grupos da terceira idade (festas, excursões, cursos de dança, artesanato etc).
Apesar da percepção dos cabelos brancos, das mudanças corporais, das dores, doenças, do enrugamento da pele, que provavelmente irão surgir durante o período da velhice, tais manifestações não são apenas aspectos naturais de ordem biológica, mas a percepção da pessoa idosa é determinada pelo nosso modelo social e cultural. E é assim em todas as culturas.
Durante a elaboração deste post, fui questionado do porquê da não amplicação desta visão do envelhecimento, no sentido de apresentar as perspectivas de vida e atuação que o idoso vem assumindo nos últimos tempos. Lembro que desta vez, a narrativa foi provocativa no sentido de tentar mostrar somente um lado da moeda. Em minha próxima publicação, esse será o desafio.
De qualquer modo, fica o recado antecipado: precisamos rever nossa percepção estigmatizada sobre a velhice!
Fausto A. Duarte
Graduação em Psicologia e Mestrado em Gestão por Competências (PUC/SP); nos últimos 15 anos vem atuando em Consultoria de Recursos Humanos desenvolvendo e aplicando programas de treinamento e desenvolvimento para Lideranças e Equipes e projetos relacionados a Mapeamento e Construção de Modelos de Competências, Seleção por Competências, Avaliação e Gestão de Desempenho, Mapeamento de Cultura Organizacional, Coaching Executivo e Transição de Carreira.