Para dar continuidade à série de artigos sobre Comunicação Não Violenta, este segundo artigo tem como objetivo explanar sobre o segundo componente da CNV: Identificando Sentimentos.
A CNV é um processo de entendimento e de linguagem que procura facilitar a harmonização das necessidades dos envolvidos em uma comunicação, promovendo uma mudança de direcionamento dos nossos erros e dos erros do outro para as necessidades de todos.
O primeiro componente da CNV envolve observar as situações e, baseados em fatos e naquilo que é visto e ouvido, procurar evitar o julgamento e a avaliação. Essa atitude pode contribuir para uma comunicação mais aberta e menos defensiva. Leia o primeiro artigo da série.
Segundo a CNV, expressar nossos sentimentos nos torna mais vulneráveis e isso pode contribuir para resolver conflitos.
Em geral temos dificuldade para expressar e dar nome aos nossos sentimentos. Isso se dá em função de não termos sido educados para isso. Provavelmente em toda a vida acadêmica nunca nos perguntaram como estávamos nos sentindo e isso deve ter se repetido na nossa vida social e familiar.
Além desse fator, a dificuldade de expressar sentimentos pode se explicar pela teoria da psicanálise. Freud nos apresenta o conceito de recalque que é um processo que visa manter no inconsciente todas as ideias, sentimentos e pulsões que podem afetar o equilíbrio psicológico do indivíduo. Esse mecanismo complexo ainda é suportado por alguns mecanismos de defesa que também impedem o livre fluxo de nossas emoções e sentimentos.
Outro aspecto que dificulta nossa identificação de sentimentos é que muitas vezes aprendemos a estar direcionados para fora – para os outros ao invés de em contato conosco. Nesse sentido pautamos nossa conduta menos no que estamos sentindo ou precisando e mais no que o outros acham.
Como aparentemente nossa sociedade dá mais valor aos pensamentos e à razão que aos sentimentos, nosso repertório para dar nome aos sentimentos costuma ser restrito. Enriquecer nosso vocabulário para expressá-los pode ser útil para nossa vida.
Os aspectos levantados acima não devem nos impedir de ampliar nossa capacidade de saber o que sentimos e como as situações nos impactam. Ampliar o autoconhecimento é uma ferramenta importante para auxiliar nessa tarefa.
Um primeiro passo para ampliar nosso autoconhecimento sobre sentimentos é adquirir consciência sobre o que sentimos. Para fazer isso podemos focar a atenção naquilo que sentimos, aceitar que os sentimentos não são certos ou errados (apenas são), procurar identificar as reações fisiológicas que provocam e buscar entendimento sobre o que causou os sentimentos. Essas atitudes irão colocar uma “luz com o foco direcionado” para o aprendizado sobre sentimentos e isso contribuirá para a evolução nesse aspecto, no que fomos pouco treinados. Também podemos ter um caderno para anotar nossos sentimentos durante o dia, o que pode ajudar a nos organizarmos e nos entendermos melhor.
Um segundo passo é melhorar o vocabulário para expressar sentimentos. Ao invés de dizer “eu estou bem”, podemos exercitar ser mais específicos e isso poderia ser: estou alegre, estou grato, estou calmo. Outro exemplo seria: “me sinto mal”, que poderia ser me sinto irritado, triste ou assustado.
Algumas das palavras que usamos como se expressassem sentimentos estão na verdade atribuindo a um terceiro a responsabilidade do que sentimos. Um exemplo seria: “sinto-me magoado”. Na verdade estou “acusando” a outra pessoa de me magoar. Nesse caso a responsabilidade do que sinto é atribuída ao outro. Dizendo: “estou triste” – eu me responsabilizo por reagir com tristeza ao comportamento do outro.
“O que os outros fazem pode ser o estímulo para nossos sentimentos, mas não a causa.”
Marshall B. Rosenberg
Podemos confundir pensamentos com sentimentos, exemplo: “sinto que o desfecho da negociação foi negativo” – estou expressando um pensamento como se fosse um sentimento. “Estou desapontada com o desfecho negativo da negociação” – aqui estou expressando um sentimento.
Uma vez que tenha exercitado a identificação e nomeação dos sentimentos, o terceiro passo é praticar a expressão dos sentimentos para outras pessoas. Para fazer isso é interessante escolher pessoas de confiança que validarão seus sentimentos. Comunique o que está sentido de forma clara e na primeira pessoa. Se necessário descreva a situação que foi o estímulo para o sentimento, sem acrescentar julgamentos e observe que reação causa. Peça feedback para quem está ouvindo e vá implementando melhorias.
É importante observar os sentimentos positivos e negativos e ter clareza que o controle de como vamos expressá-los é nosso. Em cada situação eu posso decidir expressar o mesmo sentimento de maneiras diferentes e ter consciência disso pode proporcionar uma sensação de empoderamento e equilíbrio emocional.
Que tal começar hoje mesmo a trabalhar na sua forma de expressar sentimentos? Mais um desafio lançado!
Abraços,
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